Morre o cineasta José Mojica Marins, o Zé do Caixão
Morreu nesta quarta-feira, aos 83 anos, em decorrência de uma broncopneumonia, o cineasta paulistano José Mojica Marins, que ficou conhecido em todo o país pelo personagem Zé do Caixão. A informação foi confirmada pela família.
Foi durante um pesadelo, sonhado no início de 1963, que o inferno acenou pela primeira vez para Marins. O diretor tinha então com 27 anos, e já contabilizava dois longas-metragens em seu currículo: o faroeste “Sina de aventureiro” (1957) e o drama “Meu destino em suas mãos” (1961). No sonho, ele era arrastado para uma cova por um homem todo de preto, que tinha seu rosto. Ao despertar assoberbado, com a imagem daquele sujeito na cabeça, ele criou um dos personagens mais famosos da história do cinema brasileiro: o coveiro Josefel Zanatas, conhecido (e temido) ao longo de seus 51 anos de existência pela alcunha de Zé do Caixão. E com ele, a produção audiovisual do Brasil abria os olhos para um dos filões mais populares da ficção: o horror, gênero no qual Mojica virou um mestre, dirigindo e atuando.
— Quando despertei do pesadelo, no comecinho de 1963, a ideia do Zé já estava definida, e então comecei a correr atrás de sobras de negativo em estúdios de São Paulo, como a Vera Cruz e a Maristela, para poder filmar uma história em que aquele homem procurava a mulher ideal para ser a mãe de seu filho — contou Mojica ao GLOBO em 2013, quando comemorou o jubileu de seu exu de unha grande, batizado em homenagem a um coveiro amigo. — O nome Josefel veio de um cara que eu conhecia e que mexia com defuntos, um agente funerário chamado Josef. Zanatas era brincadeira com Satanás.
No filme “À meia-noite levarei sua alma”, de 1964, a sombria criação de Mojica ganhou vida e abriu uma projeto de trilogia, cujo tema era a busca do personagem por um ventre perfeito, capaz de lhe dar um herdeiro. Zé voltaria numa sequência, de 1966, “Esta noite encarnarei no teu cadáver”. Cada um vendeu cerca de 600 mil ingressos — isso pelas estatísticas oficiais do extinto Instituto Nacional do Cinema (INC), pois outras fontes registram 1 milhão de pagantes por cada longa. O desfecho da série, “Encarnação do demônio”, começaria a ser rodado em 1967, mas foi interrompido por problemas com a Censura. A ditadura militar voltaria a patrulhar Mojica em “Ritual dos sádicos” (1969), também chamado de “O despertar da Besta”, e “Finis hominis”, de 1971.
No caso de “Encarnação do demônio”, porém, mais do que patrulha, houve uma série de situações soturnas de bastidor.
— A Censura implicou com o projeto por anos e só me liberou na década de 1980. Mas em 1987, quando o produtor Augusto de Cervantes tentou retomar a obra, um problema pulmonar o matou antes que a fizéssemos. Logo depois, outro produtor, Ivan Novais, entrou na parada e se comprometeu a produzi-la. Ligou pra mim todo contente dizendo que iria fazer um almoço para comemorar o negócio. Morreu no dia de fechar o contrato, enquanto preparava uma peixada pra gente. Tinha alguma coisa de errado com a gente — contou Mojica em 2006, o ano em que conseguiu enfim filmar “Encarnação do Demônio”, trazendo Jece Valadão (1930-2006) em seu derradeiro trabalho.
O longa foi lançado dois anos depois, conquistando o prêmio de melhor filme no Festival de Paulínia. Sua bilheteria, contudo, foi de assombrar: apenas 25.762 pagantes. Mesmo desapontado, Mojica não desistiu de filme, orgulhoso de ter uma multidão de fãs, que se expandiu a partir de suas incursões na TV, em programas como “Além, muito além do Além” (1967-68), na Bandeirantes, “Show do outro mundo” (1981), na Record, “Cine Trash” (1996), de novo na Band, e “O Estranho Mundo do Zé do Caixão” (2008), no Canal Brasil. Com a televisão, a fama de Mojica se disseminou pelas novas gerações, que descobriram pérolas cinematográficas dirigidas por ele como “Exorcismo negro” (1974), a obra-prima do diretor. Sua fama foi disseminada também com a ajuda do livro "Maldito!", cinebiografia de Mojica (e de seu alter ego satânico) escrita pelos jornalistas André Barcinski e Ivan Finotti.